Ivan Paganotti

Resumo em 5 pontos

1- Nos últimos anos, ficou evidente que é necessário tomar cuidado com a qualidade da informação que circula pelas redes sociais.

2- Apesar de o termo “fake news” (“notícias falsas”, em português) ter se tornado bastante popular desde 2016, a divulgação de mentiras é um fenômeno muito mais antigo e complexo.

3- Muitos sentidos diferentes e até contraditórios parecem ser usados para definir o que é ou não é notícia falsa. Atores políticos se aproveitam da confusão para tentar desacreditar críticas como se fossem “fake”.

4- Notícias falsas são informações comprovadamente falsas que viralizam em rede sociais e se disfarçam de fontes com credibilidade para enganar.

5- Não podemos confundir “fake news” com erros da imprensa tradicional. Esses são problemas diferentes, que demandam soluções distintas também.

Identificar fontes de informação de qualidade é uma das habilidades mais importantes em tempos de tanta desinformação. Separar o joio do trigo é essencial para descartar boatos sem comprovação das informações pertinentes e bem fundamentadas em fatos. Sem essa capacidade, podemos nos preocupar à toa com histórias inventadas ou até mesmo tomar decisões importantes baseadas em informações incompletas ou incorretas.

Nos últimos anos, a internet parece ter sido invadida por “fake news”, termo que importamos do inglês e que pode ser traduzido como “notícias falsas”. Mas o que são as “fake news”? O que há de novo nesse fenômeno, que o diferencia das tradicionais mentiras e manipulações políticas?

Esse termo polêmico possui sentidos tão diferentes que chegam até a se contradizer. Pesquisadores de Singapura encontraram várias definições diferentes em estudos científicos sobre “fake news” nos últimos anos, que incluíam até análises sobre piadas que usavam o formato de telejornais para fazer humor.

Muita gente pode achar que qualquer informação falsa seja “fake news”. Mas, para esse sentido bastante amplo da expressão, parece estranho inventar um termo novo para descrever algo que há muito tempo já cabe em uma palavra só: “mentira”.

Por isso, é necessário prestar um pouco mais de atenção no que há de novo nas “fake news”, para não confundir esse fenômeno recente com seus parentes mais antigos, como os boatos ou o sensacionalismo. Evidentemente, eles apresentam origens comuns e muitas semelhanças, mas as diferenças são inegáveis.

Para isso, vamos voltar para o ano de 2016, quando a expressão “fake news” passou a ser difundida. Foi o ano em que, durante a eleição presidencial nos Estados Unidos, muitos eleitores compartilhavam informações completamente absurdas, tiradas de sites falsos, mas que favoreciam seu candidato ou criticavam opositores.

A imprensa internacional passou a usar o termo “fake news” para denunciar sites que tentavam se disfarçar de conteúdos jornalísticos, mas não seguiam as normas éticas e legais, divulgando informações sem comprovação.

Economistas norte-americanos que pesquisaram a eleição de 2016 identificaram sites desconhecidos que publicavam informações incorretas, mas que, de repente, conquistavam um enorme público vindo de redes sociais ou de ferramentas de pesquisa online. Assim, eles definiram “fake news” como informações comprovadamente falsas que viralizavam online, simulando o formato jornalístico para enganar o público.

Essa definição é muito mais precisa, porque trata de um fenômeno realmente novo: mentira sempre existiu, mas a novidade agora é a capacidade de propagação acelerada por redes sociais digitais. Essas plataformas como Facebook, Twitter e WhatsApp foram criadas há pouco mais de uma década, e parecem ter atingido agora uma massa crítica, sendo tomadas por propagadores de mentiras em escala industrial.

Outra novidade é a simulação de fontes com credibilidade. Depois do formato jornalístico, também tivemos conteúdos simulando declarações de médicos, cientistas e representantes de movimentos sociais. Com isso, impostores tentam se aproveitar da credibilidade dessas categorias para enganar, e fica difícil verificar de onde essas informações vieram depois de serem repassadas milhares de vezes nas redes sociais.

Essa definição bastante precisa também ajuda a entender o que não é fake news. Erros da imprensa ou apelos sensacionalistas não são um problema novo. Para isso já existem soluções, como as leis que punem por calúnia, difamação ou invasão de privacidade. A grande diferença é que, por trás da imprensa, temos instituições e profissionais que podem ser responsabilizados pela informação que circula. As fake news, pelo contrário, não deixam claro quem é seu responsável, e por isso demandam uma solução diferente.

A confusão de fake news com o jornalismo profissional acaba sendo bastante conveniente para políticos que procuram desacreditar críticas e denúncias como se fossem notícias falsas. Assim, tentam fazer com que o público não confie nas investigações ou posicionamentos que circulam pela mídia, ignorando os documentos e testemunhos que os provam. É preciso cautela para não ser enganado, e para isso é importante verificar as fontes das informações que garantem que o que é publicado é realmente verdade.

 

Dicas práticas

  • Para não ser enganado por fake news, preste atenção de onde as informações vieram: é um site em que você confia? O autor está identificado de forma clara, garantindo que alguém se responsabiliza se algo estiver incorreto? As informações e dados citados apresentam fontes que podem ser verificadas? Se a resposta for não, desconfie.
  • Se encontrar uma informação incorreta, aponte o erro e recomende correção. Veículos jornalísticos têm canais para contato do público e estão preocupados em apresentar a melhor informação possível. Por isso, publicam correções claras, se necessário. Se for um familiar, amigo ou colega que divulgou a informação falsa, vale alertar, sem ofender publicamente, indicando fontes com correções. Desconfie de quem não admite erros: pode ser um sinal de que não se preocupam com a qualidade dos fatos difundidos.
  • Informações verdadeiras, publicadas no passado ou em outros lugares do mundo podem ser repassadas de forma descontextualizada, enganando quem acha que se tratam de fatos recentes e próximos.

 

Para saber mais

Agência Lupa. Agência de checagem de fatos produzida por equipe de jornalistas profissionais, verificam informações que circulam no debate público, provando quais são verdadeiras e quais são falsas. Também treinam novos checadores a partir de regras internacionais de verificação.

Fátima. Desenvolvido pela agência de checagem Aos Fatos, essa conta automatizada no WhatsApp permite verificar informações e receber notificações com boatos que já foram provados como falsos pelos jornalistas de sua equipe. Além do site acima, o robô também pode ser acessado pelo WhatsApp no número (21) 99747-2441.

Rodrigo Ratier

Resumo em 5 pontos

1- Notícias falsas costumam ter três tipos de motivação: política (prejudicar um adversário), disrupção social (causar confusão) ou econômica.

2- Elas se tornaram um negócio lucrativo mesmo para pequenos sites com o surgimento da publicidade programática. É um serviço oferecido por gigantes da tecnologia a anunciantes que desejem se comunicar com um público-alvo específico.

3- Sites de fake news abrem espaço para banners (anúncios digitais) e, como o serviço de compra e venda é automatizado, o anúncio é exibido.

4- Cada exibição rende décimos de centavos para o site. Mas, se a audiência for muito grande, a grana costuma compensar. É nisso que apostam os produtores de notícias falsas.

5- Muitas empresas nem sabem que seus produtos estão nesses sites. Para expor essa situação, ações como o Sleeping Giants mantêm perfis na internet para asfixiar as fontes de rende de quem lucra com desinformação e discurso de ódio.

Que as notícias falsas possuem uma motivação política, você já sabe. Na disputa pelo poder, muitas vezes as fake news são usadas para demonizar os adversários, atribuindo a eles um vasto arsenal de características negativas.

Que as notícias falsas possuem uma motivação política, você já sabe. Na disputa pelo poder, muitas vezes as fake news são usadas para demonizar os adversários, atribuindo a eles um vasto arsenal de características negativas.

Que a desinformação possui um caráter de disrupção social, também é evidente. Muitos grupos de jovens se reúnem, quase sempre no submundo da internet (grupos fechados de WhatsApp e a chamada deep web, por exemplo), para inundar as redes sociais com mentiras, teorias da conspiração, vídeos e áudios fraudulentos. Fazem isso por uma rebeldia, um desejo pueril de, como se diz no popular, “ver o circo pegar fogo”. Muitas vezes, conseguem…

Agora, que as fake news podem ser um grande negócio, não é algo tão evidente. Mas é verdadeiro. Como é que a divulgação de informações falsas ou enviesadas pode trazer dinheiro a que as divulga? É o que nós vamos explicar aqui.

Primeiro, vale falar um pouco sobre o mecanismo de financiamento dos sites da internet. Há basicamente duas fontes de receita. Uma é cobrar pelo conteúdo. Você pode fechar seu site apenas para assinantes, por exemplo. É o chamado paywall (“muro de pagamentos”, em tradução livre), mecanismo a que muitos grupos da mídia tradicional têm recorrido.

Mas essa não é a forma mais comum de monetização (palavra usada no mundo digital para nomear as formas de obtenção de receitas com conteúdo). Na maioria das vezes, os donos de site lucram com o dinheiro que vem da publicidade. Atualmente, isso é algo que está ao alcance de qualquer um que deseje expor seu conteúdo na internet.

Sabe aqueles espaços com anúncios antes, durante e depois dos textos e vídeos do mundo digital. Pois então: esses são os chamados banners, espécies de outdoors em que os anunciantes podem exibir seus produtos para “fisgar” o leitor que está lendo uma determinada reportagem.

Anteriormente, cada dono de site precisava negociar seus banners diretamente com os anunciantes. Aí, era muito mais difícil conseguir dinheiro, sobretudo para quem era peixe pequeno, proprietário de um site independente, de um blog etc.

Mas tudo mudou com a chegada da publicidade programática. É uma revolução: gigantes da tecnologia, como o Google ou o Facebook, passam a gerenciar a colocação de banners nos sites e nas redes sociais. Eles atuam como intermediários entre os anunciantes e os produtores de conteúdo. E claro, recebem uma boa porcentagem por essa intermediação.

Quem quer anunciar informa às plataformas o público-alvo que deseja atingir: gênero, faixa etária, interesses, hábitos de compra, comportamentos (por exemplo, pessoas que entram em sites de esportes pela manhã), dispositivo (acesso por laptop ou smartphone, por exemplo).

Você pode se perguntar como a tal plataforma sabe tanta coisa sobre você. Simples: quando navegamos pela internet, vamos deixando “pistas” sobre nossos hábitos de navegação. Por exemplo: nosso navegador troca pacotes de dados com os sites que acabam servindo para identificar e armazenar informações sobre nós. 

Hoje, uma grande gama de dados pode ser armazenado. O resultado é que as plataformas de publicidade têm uma “ficha corrida” nossa. 

Os sites e blogs que querem anunciar, por sua vez, contatam as mesmas plataformas de publicidade.

Eles firmam um acordo para “abrir” espaço para anúncios nas páginas de conteúdo. São diversos tipos: banners (os cartazes virtuais), links relacionados, pop ups etc. Esses espaços ficam “livres” à espera do melhor anúncio.

Quando você entra em um site com publicidade, o que você vai ver é justamente o anúncio que tem a ver com as suas características.

Você pode imaginar como o site “adivinhou” que você estava procurando uma chuteira de futebol. Não é magia, é tecnologia: as pistas da sua navegação indicam que você tem interesse nesse produto.

Mas, como esse processo é automatizado, às vezes alguma coisa dá errado — e os anúncios vão parar em sites de desinformação ou de discurso de ódio!

Isso acontece porque os sistemas de mídia programática não olham para o conteúdo das páginas.

Tudo isso é bonito na teoria. Na prática, você já deve imaginar o que acontece: diversos sites de fake news recebem anúncios de empresas que muitas vezes nem sabem que estão aparecendo por lá!

Claro que cada visualização de banner rende muito pouco para o dono do site. Mas, se você conseguir uma audiência de centenas de milhares ou milhões de pessoas, a coisa muda de figura: já dá para conseguir um bom dinheiro com anúncios via publicidade programática.

É por isso que sites de notícias falsas investem em chamadas exageradas, escandalosas, alarmistas: o choque é uma forma de atrair audiência, resultando em muitas exibições de banners e, por consequência, uma grana forte na conta…

Para complicar ainda mais as coisas, há empresas idôneas que acabam tendo seus anúncios veiculados em sites com conteúdo tóxico sem saber (a plataforma que intermedeia o contato só quer saber do público-alvo do site, não da qualidade da informação).

Na esteira dessa confusão, surgem movimentos como o Sleeping Giants. São perfis na internet que avisam às marcas que o conteúdo delas está financiando sites de fake news e desinformação. O objetivo dessas ações é expor os anunciantes diante da opinião pública, fazendo com que eles tirem sua publicidade do ar, asfixiando a fonte de renda de quem quer lucrar com notícias falsas.

O Stop Hate for Profit comandou um boicote aos anúncios no Facebook para pressionar a rede social a tirar do ar sites que incentivam o racismo, a violência e o ódio. Já o Sleeping Giants está presente em vários países do mundo. Nos Estados Unidos, uma ação bloqueou banners de mais de 4 mil empresas no site Breitbart, um dos mais conhecidos da extrema-direita norte-americana, notório pelo uso de desinformação. O perfil chegou ao Brasil em maio de 2020. A jornalista Mônica Bergamo mostrou que ele é comandado por um casal de 22 anos do Paraná. “Até hoje, eles calculam ter retirado de três sites de notícias e dois canais o equivalente a R$ 1,5 milhão. Segundo eles, 700 empresas já seguiram seus alertas e retiraram os anúncios de sites duvidosos. O SGB tem 410 mil seguidores no Twitter e 170 mil no Instagram”, informa a reportagem. A revelação foi recebida com incredulidade pela extrema-direta e ameaças de morte

Dicas práticas

  • A motivação econômica para as fake news é a menos conhecida da população em geral. Vale alertar pessoas próximas sobre essa forma de manipulação. Um indício comum costumam ser os sites lotados de banners. Quando isso ocorre, vale redobrar a atenção, pois pode ser um produtor de notícias falsas.
  • A atuação cidadã para denunciar quem fatura com conteúdo tóxico é importante. Em postagens nas suas redes sociais, você pode marcar o perfil das empresas que têm anúncios exibidos em sites suspeitos. É uma forma de pressioná-las a retirar a publicidade.
  • Outra forma de ação é enviar as denúncias para as ações militantes coletivas. Você pode comunicar anunciantes que aparecem em sites ligados à desinformação ao perfil do Sleeping Giants Brasil no Twitter.
  • Em caso de insistência, é possível, ainda apoiar ações de boicote às marcas. É algo que tem se tornado cada vez mais comum quando os anunciantes insistem em financiar fake news. 

Para saber mais

O que leva um grupo de jovens na Macedônia a produzir conteúdo falso sobre as eleições norte-americanas? Você adivinhou: a expectativa de ganhar dinheiro. Esta reportagem da BBC mostra como uma ação de adolescentes no meio da Europa causou a maior confusão nas corrida presidencial de 2016 nos EUA — e rendeu uma boa grana a seus produtores…

O fenômeno, claro, chegou ao Brasil. Em 2017, a Folha de S. Paulo conversou com um criador de sites de fake news que, além de lucrar com a publicidade, produzia notícias a pedido do político que pagasse melhor.

Os Sleeping Giants conseguiram vitórias relevantes para minar a fonte de renda de produtores de discurso do ódio e desinformação. Sua ação não é simples, por isso muitas vezes é necessário o anonimato. A reportagem do Tilt, do portal UOL, detalha como se deu o surgimento da versão brasileira do movimento.

*Este capítulo usa, em parte, adaptação do texto “A sociedade se mexe? Sleeping Giants e o poder do desfinanciamento”, do curso online Vaza, Falsiane.

Ivan Paganotti

Resumo em 5 pontos

1- A ascensão recente das fake news está diretamente relacionada com a política: em 2016, conteúdos falsos tratavam de votações nos EUA, Reino Unido e Colômbia.

2- As notícias falsas não são as únicas responsáveis pelos resultados eleitorais. O voto é um processo complexo, e diversos fatores influenciam a dinâmica das eleições.

3- Há um círculo vicioso entre a maior polarização política nos extremos ideológicos e o cenário de desinformação e descrédito de fontes de informação tradicionais.

4- Dentro da estratégia política de mobilização, as notícias falsas são uma tática nova, que envolve o público como propagador de informações falsas para além do período eleitoral restrito.

5- Líderes autoritários e populistas aproveitam a desconfiança generalizada do público para enfraquecer instituições como a mídia, o que fortalece regimes personalistas e centralizadores.

Desde 2016, sempre que algo parecia não se encaixar nas expectativas, na política internacional, era fácil de apontar o dedo para a suspeita de sempre: fake news. Das eleições de Donald Trump nos EUA até Jair Bolsonaro no Brasil, era difícil encontrar uma explicação que não envolvesse a manipulação de eleitores que compartilhavam informações desconectadas da realidade. Mas vale questionar: fake news vencem eleições?

Como vimos anteriormente, a preocupação com as notícias falsas nas redes sociais se tornou mais evidente na série de votações surpreendentes que aconteceram em 2016.

Nos EUA, Donald Trump contrariou as pesquisas de opinião e foi eleito pelo colégio eleitoral ao conquistar alguns estados disputados, mesmo sem ter a maioria dos votos no país inteiro. No Reino Unido, um disputado referendo popular decidiu que o país deveria deixar a União Europeia. Na Colômbia, após anos de negociação, o acordo de paz do governo com as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) acabou inesperadamente rejeitado em um apertado plebiscito.

Além dos resultados surpreendentes e disputados, essas votações também foram acompanhadas por uma quantidade enorme de informações falsas circulando por redes sociais. Absurdos como o apoio do papa Francisco a Donald Trump (negado pelo próprio líder católico) foram compartilhados sem senso crítico por muitos.

Daí surgiu o medo de que os eleitores estivessem baseando seus votos nas informações incorretas que eram compartilhadas online. Se um número grande o suficiente de pessoas fosse enganado pelas fake news, as eleições poderiam ser manipuladas.

Mas uma dupla de economistas norte-americanos tentou verificar essa hipótese, e chegou à conclusão de que o número de pessoas que teve contato com informações falsas (e foi enganado por elas) não seria grande o suficiente para influenciar o resultado final, mesmo em eleição apertada como a dos EUA em 2016.

Não podemos ignorar, também, que a escolha de candidatos em uma eleição é um processo bastante complexo, que envolve identificações e outros processos bastante subjetivos, nem sempre conscientes para o próprio eleitor. É muito difícil de provar que uma eleição foi vencida ou perdida por um fator isolado.

Isso não quer dizer que devemos minimizar os efeitos políticos das notícias falsas. Elas podem não conseguir mudar votos, mas conseguem mobilizar eleitores que já tem sua filiação partidária definida. Munidos de argumentos baseados em informações não comprovadas, esses eleitores sentem-se energizados e motivados para ajudar a defender ou atacar candidatos.

A polarização política só complica esse cenário. Pesquisadores da USP identificaram que, nos últimos anos, usuários de redes sociais passaram a apresentar posições cada vez mais radicais, diminuindo as pontes entre os extremos. Mesmo as fontes de informação não são mais compartilhadas: quem está de um lado ignora e só se distancia de quem está do outro.

Essa polarização é levada em conta pelos produtores de fake news. As mentiras se encaixam perfeitamente nos preconceitos de segmentos específicos do público. Elas evitam que os leitores reflitam criticamente e desconfiem que estão sendo enganados, explorando reações emocionais diretas, como ódio ou medo, o que cria ainda mais distanciamento de opositores e radicalização.

Além disso, as fake news não se encaixam somente no momento específico das eleições. Grupos em redes sociais ou em aplicativos de mensagens disseminam informações não verificadas de forma contínua, como se a campanha política não se limitasse às eleições a cada dois anos, em uma mobilização contínua.

Por fim, pesquisador do MIT aponta um efeito político ainda mais duradouro e perigoso das notícias falsas. Um cenário de desconfiança generalizada, com cidadãos perdidos e confusos, é um prato cheio para lideranças autoritárias.

Políticos populistas procuram construir laços diretos com seus seguidores, apresentando-se como os representantes verdadeiros do povo. Em países como Rússia e Turquia, líderes autoritários exploram a desconfiança do público em relação ao que circula no noticiário, diminuindo o poder de vigilância de parte crítica da mídia.

Não devemos subestimar o impacto político das fake news. E também não podemos ignorar a responsabilidade de quem propaga informações falsas ou se beneficia da confusão resultante.

 

Dicas práticas

  • Conheça a linha editorial dos veículos da mídia que acompanha. Editoriais permitem você identificar o alinhamento político, avaliando como isso pode influenciar a cobertura noticiosa desses sites.
  • Para evitar ser vítima da polarização política online, você pode procurar veículos e perspectivas diferentes, para “furar” sua bolha. A ideia é ler não somente quem concorda com você, mas sim quem traz informação bem apurada e que pode ser verificada, mesmo se vier de posições ideológicas distantes.
  • Ao encontrar um conteúdo que critica ideias ou representantes políticos de quem você discorda, tome cuidado antes de compartilhar. Verifique se a informação é verdadeira, porque muitas fake news são propagadas ao explorar reações emotivas como o ódio contra opositores.
  • Da mesma forma, tome cuidado antes de difundir conteúdos políticos a favor de quem você admira ou com quem você concorda. Existem muitas fake news “favoráveis”, e o tiro vai sair pela culatra quando descobrirem que os elogios não tinham embasamento.

 

Para saber mais

TSE e a desinformação. Para combater as mentiras que tratam das eleições, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) desenvolve o Programa de Enfrentamento à Desinformação com Foco nas Eleições, com campanhas, correções e esclarecimentos para o público.

Fato ou Boato. Plataforma com coalizão de checagem de fatos difundida pelo TSE, também faz parte do Programa de Enfrentamento à Desinformação desse tribunal. Reúne verificações, checagens e refutações publicadas por diferentes veículos da mídia que tratam das eleições.

Projeto Comprova. Iniciativa de jornalismo colaborativo criada nas eleições de 2018, unindo quase trinta veículos jornalísticos diferentes, publicando verificações de temas diversos. Em 2020, publicou novas checagens para as eleições municipais.

Ivan Paganotti

Resumo em 5 pontos

1- O discurso de ódio ofende, ataca e ameaça indivíduos que são discriminados por serem parte de certos grupos sociais.

2- Ao incitar violência, restringir direitos e ofender, essas mensagens são um risco para grupos sociais discriminados.

3- Por isso, diversos países proíbem o discurso de ódio e determinam punições para impedir ou dissuadir essa prática.

4- Não devemos confundir o discurso motivado por ódio ou desprezo (que parte de uma emoção de desgosto) com o discurso de ódio (categoria mais problemática por envolver discriminação e ameaças).

5- No Brasil, diversas facetas do discurso de ódio são criminalizadas, como a discriminação e a injúria, assim como a ameaça e a incitação da violência.

A liberdade de expressão permitida pela internet pode parecer ilimitada, mas é necessário reconhecer alguns limites quando tratamos de expressões discriminatórias, ofensas e ameaças.

Esse é o chamado “discurso de ódio”. Alguns dos momentos mais horríveis da nossa história foram precedidos e justificados por esse tipo de fala. Do nazismo europeu ao genocídio em Ruanda, as piores atrocidades foram cometidas por quem defendia a segregação de indivíduos simplesmente por suas características pessoais ou pelo pertencimento a grupos estigmatizados, ignorando seus direitos e até incentivando que fossem alvo de violência.

Alguns grupos particulares são historicamente alvo de perseguição sistematizada devido à sua filiação étnica ou religiosa, por exemplo. Para protegê-los, países como o Brasil criminalizam mensagens discriminatórias, pois reconhecem que práticas extremas do discurso de ódio podem ser o ponto de partida para segregação e ameaças.

Ofensas raciais, por exemplo, são criminalizadas e podem levar à multa e prisão. Ameaçar ou incitar ataques também são crimes que podem ser punidos, mesmo que a violência acabe não se concretizando, porque o dano já ocorre somente pelo medo que as vítimas podem sofrer.

Os limites entre quais comportamentos são enquadrados como discurso de ódio variam de país para país. A ONU destaca que não existe uma definição única sobre discurso de ódio no direito internacional, mas classifica esse tipo de conduta como “qualquer comunicação por fala, escrita ou comportamento que ataque ou use linguagem pejorativa ou discriminatória com referência a uma pessoa ou um grupo com base em quem são, ou seja, sua religião, etnia, nacionalidade, raça, cor, descendência, gênero ou outro elemento de identidade”.

A própria ONU complementa que, de modo geral, o que é proibido não é o discurso de ódio em si, mas sim a incitação à discriminação, hostilidade e violência. Ou seja, a fala em si ser ofensiva não é o maior problema. Em alguns países como nos EUA, isso pode nem ser proibido, mesmo que ofenda. O mais grave é quando as palavras de ódio induzem ações que podem segregar, ameaçar ou causar danos concretos.

Isso ajuda a esclarecer o que não é discurso de ódio. Não devemos confundir a emoção que sentimos com a forma como expressamos esse sentimento. Evidentemente, não há nenhuma proibição que nos impeça de não gostar de uma pessoa especificamente. Podemos inclusive expressar esse sentimento, apontando que estamos enfurecidos, desprezamos ou até que odiamos essa pessoa.

O problema começa se expressamos desprezo por uma categoria geral de pessoas devido às suas próprias características de pertencimento a esse grupo. Por exemplos, se odiamos ou desprezamos pessoas de um grupo étnico, ou de uma religião.

Esse comportamento pode se tornar ainda mais grave se for negado o acesso de pessoas desses grupos a seus direitos: nesse caso, são casos bastante claros de discriminação. Também é crime enviar ou publicar ameaças, ou incentivar outras pessoas a agirem de forma violenta contra grupos de pessoas.

Todas essas categorias podem ser incluídas como discurso de ódio. Mais uma vez vale deixar claro: o crime não é o sentimento do ódio. Nossas emoções, como tudo que pertencem à nossa livre consciência, está fora do alcance da lei. O problema é se a expressão desse desprezo afeta a vida de pessoas que podem ser ofendidas, discriminadas, ameaçadas ou até ser vítimas de violência.

Para podermos nos comunicar de forma verdadeiramente inclusiva, temos que tomar cuidado para garantir que os meios de comunicação sejam seguros, principalmente para grupos minoritários. Isso envolve tomar cuidado com a disseminação de discurso de ódio: precisamos que todos se sintam seguros, sem discriminação, segregação ou ameaças.

 

Dicas práticas

  • Tome cuidado com termos potencialmente ofensivos e discriminatórios: muitos parecem ainda circular com bastante frequência nas conversas cotidianas, mas eles podem afetar negativamente pessoas próximas de você.
  • Incitação de violência é um crime, e você pode ser responsabilizado pelas ações que resultarem de suas palavras. Isso não isenta as outras pessoas que agiram de forma violenta, mas você pode ser punido se for provado que sua fala incentivou agressões.
  • Se você presenciar discurso de ódio, deve denunciar para autoridade policial. Se esse conteúdo foi difundido online, a ONG Safernet auxilia a coleta e direcionamento das denúncias em diferentes estados.
  • Plataformas de redes sociais também recebem alertas de usuários para remover conteúdo discriminatório e ameaças.

 

Para saber mais

InternetLab. Um centro de pesquisa sobre direito online, o InternetLab desenvolve estudos sobre a propagação de discurso de ódio pela internet, suas consequências legais e propostas para resolver lacunas na sua regulação.

SaferNet. Associação que promove a segurança de usuários na internet. Auxilia a identificar comportamentos de risco, crimes online e aponta como denunciar abusos e ameaças.

Plano da ONU sobre Discurso de Ódio. Recomendações apresentadas pela Organização das Nações Unidas (ONU) para identificar e combater o discurso de ódio (documento em inglês/espanhol/francês).

Monitor do Debate Político no Meio Digital. Projeto do Grupo de Políticas Públicas para o Acesso à Informação (GPoPAI), da Universidade de São Paulo (USP), monitora grupos políticos em redes sociais online, publica pesquisas sobre radicalização política.