Rodrigo Ratier
Resumo em 5 pontos
1- “Velha” porque presente desde o início da profissão, e “boa” porque segue indispensável, a reportagem é base do jornalismo de qualidade.
2- Quando nomeia procedimentos de apuração, a reportagem se refere à coleta de informações. Que pode se dar por três caminhos: pesquisa, testemunho do ou da repórter — e claro, entrevistas.
3- Quando designa um tipo de texto, se refere à ampliação da notícia. Ou seja, a busca por contextualizar fatos e temas, olhando para o passado em busca das causas e para o futuro em direção às consequências.
4- Duas características não podem faltar: a precisão da informação e a pluralidade (a escuta de diferentes pontos de vista). Assim se constrói um retrato completo da realidade.
5- A análise dos porquês de um determinado fato é desejável. Ela não se confunde com a opinião — dizer se o que ocorreu é positivo ou negativo. O compromisso da reportagem é sempre com a informação.
Há dois significados para a palavra reportagem. Ela pode pode dizer respeito tanto a um procedimento de apuração quanto a um tipo de texto.
Aqui, vamos falar dos dois sentidos dessa “velha e boa” prática, sem a qual não há jornalismo.
Como procedimento de apuração, a reportagem consiste, como diz o dicionário Houaiss, em “adquirir informações sobre determinado assunto ou acontecimento para transformá-las em noticiário”.
Há três formas de fazer isso:
1- pesquisa: é o começo de tudo. Serve para preparar a pauta de entrevistas, obter uma primeira visão sobre o assunto que será tratado, confirmar impressões discutidas com a equipe. Na pesquisa, é essencial verificar o que já foi publicado sobre o assunto que você vai abordar (isso ajuda a definir a novidade que você vai trazer) e entender as noções básicas do tema (isso vai ajudar na hora de fazer entrevistas)
2- testemunho: é a presença do repórter no local do fato narrado. Um profissional atento, que observa e escuta com atenção, consegue produzir relatos envolventes, capazes de transmitir emoção, gravidade, humor, curiosidade etc.
3- entrevistas: são a “alma” da reportagem. É ouvindo pessoas, tanto participantes da ação quanto especialistas, que o repórter vai conseguir construir uma visão ampla e o mais próxima possível do real. Como vimos no capítulo 2, é para isso que serve o jornalismo.
Dá para dizer muita coisa sobre a reportagem como técnica de apuração. Mas se tivéssemos de eleger os aspectos mais importantes, quais seriam?
Muita gente que estuda o cenário atual do jornalismo destaca que as principais qualidades das reportagens atuais devem ser a precisão e a pluralidade.
Precisão para conseguir a informação exata — quantidades corretas, declarações fiéis ao que dizem as fontes, exposição completa de pontos de vista. O jornalismo é o lugar das cifras exatas e não o terreno do “mais ou menos”.
Pluralidade para poder contemplar o maior número de pontos de vista sobre um determinado fato ou tema. Para fazer um jogo de palavras revelador, um ponto de vista é a vista de um ponto: cada pessoa entrevistada pode enxergar a mesma questão de uma perspectiva distinta. Ouvir diferentes lados (e não apenas o “outro lado”, pois muitas vezes há mais de dois) é uma providência ética básica do jornalismo de qualidade. Hoje, em meio a tanto conteúdo enviesado, ganha status de indispensável.
Agora vamos ao outro sentido da palavra reportagem: ela também pode ser um gênero, ou seja, um tipo de texto jornalístico.
O texto-base da profissão é a notícia. Você provavelmente sabe reconhecê-la: a notícia é o relato impessoal e objetivo, em geral curto, que procura responder a seis questões fundamentais para o leitor: o que aconteceu? quem participou? Onde ocorreu o fato? Quando ocorreu? Como ocorreu? Por quê ocorreu?
Como todos os outros tipos de texto jornalístico, a reportagem também se ocupa de dar respostas a essas questões. Mas, em relação à notícia, ela representa uma ampliação. Essa ampliação pode se dar em duas direções:
1- ampliação de conteúdo: a reportagem tem a ambição de contextualizar melhor os fatos noticiados e de propor prognósticos — que são previsões baseadas nas evidências disponíveis e não “chutes” sobre os desdobramentos. Enquanto uma notícia pode registrar a alta de preço de um gênero alimentício, a reportagem pode examinar as causas da elevação de preços e projetar consequências, ouvindo especialistas e pessoas afetadas pela inflação Em resumo, a reportagem olha para o passado e para o futuro.
2- Ampliação de forma: a reportagem pode ter linguagem mais quente e humana, com mais espaços para histórias de pessoas reais e o uso de alguns recursos da ficção (sobretudo narração, descrição e diálogos) a serviço da não ficção – não custa lembrar que o compromisso com a realidade é a aliança basilar do jornalismo.
Para concretizar essa ampliação, a reportagem como procedimento de apuração e como tipo de texto jornalístico se encontram. As entrevistas em profundidade, atentas e empáticas, são a base para a construção de relatos que consigam transmitir os impactos dos fatos que estão sendo narrados.
Claro que isso não se confunde com a romantização do texto. É um equívoco recorrer à opinião, adjetivação, lição de moral ou balanço de vida feito pelo autor e achar que assim se transforma uma notícia em reportagem. Uma reportagem nasce de uma apuração bem feita. É a quantidade e a qualidade da informação coletada que vai amparar a construção de textos mais complexos, precisos e plurais, diferenciando-se da massa de conteúdo de baixa qualidade hoje disponível ao alcance de um clique.
Dicas práticas
- Atenção ao off the record. A expressão diz respeito às fontes que não querem se identificar para dar uma informação. Elas fazem isso porque têm interesse na divulgação da história, mas não querem se comprometer com suas consequências. Atualmente, reportagens com fontes em off tem sido chamadas pelos críticos de fake news.
- O caminho é buscar o diálogo para que os entrevistados topem aparecer de cara limpa, com nome e sobrenome. Quando isso não for possível, opte pelo chamado “off cruzado”: a confirmação da informação anônima por pelo menos três pessoas diferentes. E indique na reportagem: “ouvimos três [ou mais] fontes que confirmaram a versão”.
- Em alguns casos, a não identificação dos entrevistados é uma exigência legal. Em caso de crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade ou vítimas de violência, o Estatuto da Criança e do Adolescentem (ECA) exige o anonimato como forma de proteção.
- A tal “empatia” com os entrevistados é algo difícil de conseguir, mas essencial para a obtenção de informações completas e relatos humanizados. A melhor forma de consegui-la é por meio da escuta atenta do que dizem as fontes.
- Preste atenção às histórias, dê espaço para as respostas, mesmo que fujam momentaneamente do tema. Assim você deixa o entrevistado à vontade e cria um espaço de confiança para que ele conte o que sabe e sente.
- “Empatia”, comumente definida como “colocar-se no lugar do outro”, não se confunde com concordar com o que o entrevistado diz. É possível compreender o que levou uma pessoa a cometer um crime, por exemplo, sem subestimar a gravidade do ato.
Para saber mais
Considerado o maior documentarista da história do cinema brasileiro, o cineasta Eduardo Coutinho (1933-2014) é um mestre da entrevista humanizada. Seus filmes são baseados em depoimentos sobretudo de pessoas anônimas, de quem ele consegue extrair confissões e entrevistas cheias de emoção.
- Assistir a seus filmes é inspirador. Em 2019, o Itaú Cultural organizou a exposição “Ocupação Eduardo Coutinho”, uma revisão de sua trajetória. O site da ocupação traz trechos curtos de suas obras mais importantes: Santo Forte (1999), Babilônia 2000 (2001), Edifício Master (2002), Peões (2004), O Fim e o Princípio (2005), Jogo de Cena (2007), Moscou (2009), As Canções (2011) e o filme póstumo Últimas Conversas (2015).
Entrevistas com crianças e adolescentes merecem atenção. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) estabelece normas que devem ser obedecidas quanto ao anonimato de crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade. Para orientar a ação prática, a Associação dos Jornalistas de Educação (Jeduca) produziu o guia “Entrevistando Crianças”.